Conceito de [Economia de trás para frente] no setor dos agronegócios

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012



Os setores do agronegócio encontram-se encadeamentos para trás a partir de compras de insumos químicos, maquinário específico, serviços especializados e outros. Já encadeamentos para frente são encontrados a partir das vendas para outros setores produtivos, que serão tanto maiores quanto mais difundido for o produto utilizado como insumo das demais indústrias. Os encadeamentos para os lados são energia, comércio e serviços financeiros.

O submundo da produção da cana-de-açúcar em São Paulo [2 séries Ens.Médio - Colégio Santo André]

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

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Fonte: Folha de São Paulo - 24/08/2008
Estado que detém 60% da produção nacional, São Paulo, não divide a riqueza derivada do boom de etanol com seus 135 mil cortadores, que vivem em situações precárias 

São Paulo, 23 de agosto de 2.008 - Pontualmente às 4h42, a canavieira Ilma Francisca de Souza parte para o trabalho com sua marmita fornida de arroz coberto por uma lingüiça cortadinha. Em outro bairro de Serrana, ainda antes de o sol nascer, Rosimira Lopes sai para o canavial levando arroz com um só acompanhamento: feijão.

Durante o dia, elas vão dar conta da comida, que já terá esfriado. A despeito do notável progresso que ergue usinas de etanol com tecnologia assombrosa, o Brasil segue sem servir refeições quentes aos lavradores da cana-de-açúcar. A bóia continua fria.

Durante dois meses, a Folha investigou as condições de vida e trabalho dos cortadores de cana no Estado que detém 60% da produção do país que é o principal produtor do planeta. Gente como Ilma e Rosimira.
Em uma das etapas de apuração da reportagem, por 15 dias percorreram-se 3.810 quilômetros de carro, o equivalente a nove trajetos São Paulo-Rio de Janeiro.
Pela primeira vez em cinco séculos, desde que as mudas pioneiras foram trazidas pelos portugueses, em 2008 ao menos metade da cana de São Paulo não será colhida por mãos, mas por máquinas. É o que anunciam os usineiros.
Como na virada do século 16 para o 17, quando o país era o líder do fabrico de açúcar, a cana oferece imensas oportunidades ao Brasil, em torno do álcool combustível do qual ela é matéria-prima. O etanol pode se transformar em commodity, com cotação no mercado internacional. As usinas geram energia elétrica.
A riqueza do setor sucroalcooleiro, que movimentará neste ano R$ 40 bilhões, não atingiu os lavradores. Em 1985, um cortador em São Paulo ganhava em média R$ 32,70 por dia (valor atualizado). Em 2007, recebeu R$ 28,90. A remuneração caiu, mas as exigências no trabalho aumentaram. Em 1985, o trabalhador cortava 5 toneladas diárias de cana. Na safra atual, 9,3.
Em 19 cidades do interior - na capital foi ouvido um representante dos empresários- , os repórteres procuraram entender porquê, entre nove culturas agrícolas, a da cana reúne os trabalhadores mais jovens.
Exige alto esforço físico uma atividade em que é preciso dar 3.792 golpes com o facão e fazer 3.994 flexões de coluna para colher 11,5 toneladas no dia. Nos últimos anos, mortes de canavieiros foram associadas ao excesso de trabalho.
Conta-se a seguir o caso de um bóia-fria que morreu semanas após colher 16,5 toneladas. Não há paralelo em qualquer região com tamanho rendimento.
Na estrada, flagraram-se ônibus deteriorados, ausência de equipamentos de segurança no campo, moradias sem higiene e pagamento de salário inferior ao mínimo.
Conheceram-se comunidades de canavieiros que dependem do Bolsa Família, migrantes que tentam a sorte e lavradores que querem se livrar do crack e de outras drogas.
Descobriram-se documentos que comprovam a existência de fraudes no peso da cana, lesando os lavradores.
Escravidão
No auge e na decadência do ciclo da cana-de-açúcar, os escravos cuidaram da lavoura e puseram os engenhos para funcionar. A arrancada do etanol brasileiro foi dada por lavradores na maioria negros.
Assim como os escravos sumiram de certa historiografia, os cortadores são uma espécie invisível nas publicações do setor. Exibem-se usinas high-tech, mas oculta-se a mão-de-obra da roça.
Impressiona na viagem ao mundo e ao submundo da cana a semelhança de símbolos da lavoura atual com a era pré-Abolição. O fiscal das usinas é chamado de feitor.
Acumulam-se denúncias de trabalho escravo. É um erro supor que as acusações de degradação passem longe do Estado mais rico do país e se limitem ao "Brasil profundo".
Uma delas é narrada adiante. Em São Paulo, localiza-se Ribeirão Preto, centro canavieiro tratado como a nossa "Califórnia".
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem minimizado os relatos sobre trabalho penoso nos canaviais. No ano passado, ele disse que os usineiros "estão virando heróis nacionais e mundiais porque todo mundo está de olho no álcool".
O medo de retaliações é grande entre os canavieiros. Nenhum nome foi mudado nos textos, mas algumas pessoas, a pedido, são identificadas apenas pelo prenome ou nem isso. As entrevistas foram gravadas com consentimento.
São muitos esses anti-heróis: segundo os usineiros, há 335 mil cortadores de cana no Brasil, incluindo os 135 mil de São Paulo. No Estado, prevê-se a extinção do corte manual para 2015, junto com as queimadas que facilitam a colheita.
Ilma e Rosimira compõem uma espécie em extinção. Por meio milênio, os cortadores, escravos ou assalariados, viveram tempos difíceis. Nos próximos anos, não será diferente: com baixa qualificação, eles terão de procurar outros meios de sobrevivência.
Não há sindicato que não constate queda nas contratações.
O canavial não está tão longe quanto parece: ao encher o tanque com 49 litros de álcool, consome-se uma tonelada de cana; quando se adoça com açúcar o café da manhã, milhares de brasileiros já estão na lavoura de facão na mão.
A morte cansada
Com produção em alta e salários em queda, excesso de trabalho ronda canaviais
Se dinheiro chama dinheiro, como dizem, então pobreza chama pobreza -e tragédia agoura tragédia. Procurada em Guariba para conversar sobre o marido, morto após passar mal no canavial em 2005, Maildes de Araújo se põe a falar do morto de duas semanas antes: o cunhado, também cortador de cana.
José Pindobeira Santos tinha 65 anos. Colheu cana até o ano retrasado. "Ele reclamava da barriga, de cólicas", diz a filha Ivanir, faxineira. Voltava da lavoura com dor na virilha. Nunca se tratou ou foi tratado.
Pindobeira morreu de obstrução intestinal e broncoaspiração. Não se sabe até que ponto a lida na roça baqueou sua saúde. Nos anos 1960 já cortava cana nos arredores de Guariba.
Seu concunhado Antonio Ribeiro Lopes, o marido da baiana Maildes, veio ao mundo em julho de 1950, três dias antes do fracasso supremo do futebol pátrio, a final da Copa. Migrou de Berilo (MG), município da paupérrima região do Vale do Jequitinhonha.
Em acidentes registrados - a subnotificação é considerável -, o facão rasgou-lhe perna e joelho. Dores no ombro direito o afastaram da roça. Penava com dor de cabeça. O empenho no trabalho desencadeava cãibras na barriga, nas pernas e nos braços. Sofria da doença de Chagas, mas não o licenciaram.
Era funcionário da usina Moreno. Sucumbiu no campo e o levaram para o hospital. Causa da morte: "cardiopatia chagásica descompensada".
Lopes integra a relação de duas dezenas de canavieiros mortos no interior paulista de 2004 a 2007, o caçula com 20 anos. A lista foi elaborada pela Pastoral do Migrante -há mais mortes, não contabilizadas.
Dela não constam acidentes de trabalho -em 2005, de cada mil trabalhadores no cultivo da cana, 48 sofreram acidente ocupacional, registraram as pesquisadoras da USP Márcia Azanha Ferraz Dias de Moraes e Andrea R. Ferro.
Naquele ano, segundo o Ministério do Trabalho, morreram de acidentes 84 pessoas no setor sucroalcooleiro, incluindo lavoura e indústria (3,1% das mortes por acidentes de trabalho no Brasil). O Ministério Público do Trabalho investiga a razão dos óbitos e sua associação com o caráter exaustivo do corte manual.
Relatório de 2006 da Secretaria de Inspeção do Ministério do Trabalho enumera dezenas de irregularidades em empresas nas quais trabalhavam os lavradores que morreram.
Uma é o não-cumprimento do descanso de uma hora para o almoço. Os cortadores comem em dez, 20 minutos, para logo empunhar de novo o facão. Eles ganham por produção. Nenhum laudo atesta que a atividade foi decisiva para os óbitos. Seria difícil: dos oito esquadrinhados pelo ministério, só em dois houve necropsia.
O texto da Secretaria de Inspeção afirma: "As causas de mal súbito, parada cardiorrespiratória e AVC [acidente vascular cerebral], descritas nas certidões de óbito, não são elementos de convicção que justifiquem a morte natural, como alegam as empresas".
Há indícios sobre por que morrem os canavieiros
Em 1985, os cortadores do Estado produziam em média 5 toneladas diárias de cana. Em 2008, são 9,3 toneladas, 86% a mais. Há 23 anos, um lavrador recebia R$ 6,55 por tonelada e R$ 32,70 por jornada. Em 2007, 1.000 kg valeram R$ 3,29. A remuneração por dia, R$ 28,90 (menos 12%).
A produtividade disparou e o salário caiu. Com a mecanização acelerada do corte e a expansão do desemprego, ficam os mais eficientes. O homem compete com a colheitadeira.
Os números de 1985 e 2007 são do Instituto de Economia Agrícola. Atualizados para reais de agosto de 2007, encontram-se em artigo dos pesquisadores Rodolfo Hoffmann (Unicamp) e Fabíola C.R. de Oliveira (USP).
"Penoso" e "desumano"
José Mário Gomes morreu em 2005 aos 44 anos. Era empregado da usina Santa Helena, do grupo Cosan, líder da produção de cana no planeta. "O óbito ocorreu nos períodos de maior produtividade, com picos alternados", informa o Ministério do Trabalho.
Valdecy de Lima trabalhava na usina Moreno, como Antonio Ribeiro Lopes. Em 7 de julho de 2005, desabou na roça. Morreu aos 38 anos, de acidente vascular cerebral. Em 17 de junho, decepara 16,5 toneladas.
A Moreno alega que as mortes de Antonio e Valdecy "não ocorreram em decorrência do esforço do trabalho". A Cosan diz que as causas do óbito de José Mário "ainda estão sendo investigadas pelos órgãos competentes. A empresa prestou todos os atendimentos necessários e colocou seu departamento de serviço social à disposição da família do colaborador. A Cosan cumpre rigorosamente a legislação trabalhista".
O Ministério Público do Trabalho relaciona as mortes à rotina "penosa" e "desumana" e prepara ação contra o pagamento por produção, quando o grosso da remuneração depende do desempenho. É preciso acumular em oito meses, a duração da safra, o suficiente para 12 -a maioria é dispensada na entressafra.
Usineiros e segmento expressivo dos trabalhadores desejam manter o sistema
O afinco para cortar mais e mais provoca situações como uma acontecida em 2007. Sob o sol, em dia de temperatura máxima de 37ºC à sombra, nove trabalhadores foram hospitalizados após se sentirem mal em uma fazenda de Ibirarema.
Reclamavam de cãibras e vomitavam. Algumas usinas fornecem no campo bebidas reidratantes para a mão-de-obra suportar o desgaste.
Em áreas de corte manual, os canaviais costumam ser queimados antes da colheita. O fogo queima a palha da cana, e restam apenas as varas, o que facilita o trabalho. Quando o facão golpeia as varas com fuligem, o pó se espalha, entra pelo nariz e gruda na pele. A plantação recebe agrotóxicos. O lavrador não costuma receber máscara.
Em tese de doutorado na Unesp, a bióloga Rosa Bosso constatou que o nível de HPAs, substâncias cancerígenas, expelidos na urina de quatro dezenas de trabalhadores era nove vezes maior na safra do que na entressafra.
Em temporada sem colheita, Antonio Lopes sobreviveu como carregador de sacas de açúcar. Maildes o conheceu na lavoura da cana, onde o namoro engatou. Ainda hoje a viúva se orgulha: "Ele não era de enjeitar serviço"

Movimentos de Rotação e Translação [1 série do Ens.Médio - Colégio Santo André - Objetivo]

         

Trecho do Vídeo Show de Truman para os alunos do 1 ano [Colégio Santo André]

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012


Texto para os alunos do 2 ano do Ensino Médio [Colégio Santo André]


Novo Brasil, mas velho urbano
Luiz Cesar Queiroz Ribeiro* 

Há poucas semanas os jornais noticiavam que o Brasil havia se tornado a sexta maior economia mundial, deixando para trás a Inglaterra. Anos seguidos de crescimento econômico permitiram que o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro alcançasse tal posição – com a ajuda, é verdade, da crise econômica que vem derrubando as economias dos países desenvolvidos -, reforçando a percepção do bom momento que vive a nossa economia, com geração de empregos e aumento da renda. 

Pegando carona nesse crescimento econômico, aliado à redução das desigualdades de renda ocorrida nos últimos anos, milhares de brasileiros vêm conseguindo entrar na tão falada “Nova Classe Média” – ou seja, suas famílias atingiram um extrato de renda intermediário, deixando a pobreza para trás. Relacionado a isso observamos também a diminuição do desemprego, a expansão do número de postos com carteira de trabalho assinada, o maior acesso ao crédito e, como consequência desses movimentos, o aumento do poder de consumo da população. Nesse sentido, podemos dizer que nos últimos anos observamos um grande processo de inclusão social via mercado – aliado aos programas de transferência de renda.  

Ao mesmo tempo, nas primeiras semanas do ano os moradores do Rio de Janeiro têm acompanhado, mais uma vez, notícias a respeito de uma série de “desastres naturais” que deixam muitas pessoas desabrigadas, feridas ou mesmo mortas. E o mais grave é que essas tragédias têm se repetido ano após ano, quase que com local e data marcados. Um ano após a tragédia na Região Serrana do Rio de Janeiro, que deixou 918 mortos e 8.900 desabrigados, vemos notícias de que já temos quase vinte vítimas fatais em Sapucaia, Centro-Sul Fluminense, onde no dia 9 de janeiro ocorrera um grande deslizamento de terra. Já no Norte e Noroeste Fluminense, enchentes provocadas pela chuva deixaram mais de seis mil desabrigados e desalojados em dez municípios do estado - alguns em situação de emergência.

Assim, ao mesmo tempo em que políticas direcionadas ao mercado têm sido capazes de sustentar a inclusão social de um novo contingente, as cidades continuam a excluir parte de sua população das condições de vida civilizada.  Quando consideramos apenas as dez principais regiões metropolitanas do país (Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e DF) vemos que, se por um lado a média do rendimento domiciliar saltou de R$ 1.745,85 em 2004 para R$ 2.607,63 em 2009, o percentual de domicílios em áreas de aglomerado subnormal (uma aproximação do que chamamos de favelas) ficou estável, em torno de 8,5% - o que representava mais de um milhão e meio de domicílios em 2009. Já o percentual de domicílios que contavam com aparelho celular saíra de 61,8% em 2004 e chegou a 86,6% em 2009. Em se tratando da posse de microcomputador o salto foi de 24,9% em 2004 para 46,8% em 2008. No entanto, em 2009 o percentual de domicílios não ligados, direta ou indiretamente, à rede coletora de esgoto continuava estagnado em torno de 18% - o que representava mais de três milhões de domicílios. 

Nossas cidades não têm sido capazes de acompanhar as melhoras que temos verificado no mercado de trabalho e no poder de consumo da população, e ainda excluem uma parcela nada desprezível de seus moradores – moradores de favelas, em domicílios não ligados à rede coletora de esgoto, e com uma densidade domiciliar média que, ainda em 2009, se encontrava acima de 2,6 moradores por banheiro -, sem nenhum sinal claro de evolução nos últimos anos – e também sem perspectivas de melhoras para os próximos.  

Em 2009 quase 85% dos domicílios brasileiros se localizavam em áreas urbanas e, desses, mais de 36% se encontravam em uma das dez principais regiões metropolitanas do país.  Tendo nossas cidades a importância que possuem dentro do cenário nacional, fica difícil garantir um padrão de vida mínimo para a população sem a elaboração de políticas que visem combater exclusão social promovida pela (des) organização de nossas áreas urbanas. Por mais que o PIB continue a crescer, que a economia nacional alcance posições mais altas no ranking mundial, e que, como consequência, uma parcela cada vez mais larga da população alcance níveis de renda intermediários, sem que uma maior atenção seja dada à gestão e planejamento de nossas cidades é bem provável que continuemos a testemunhar a exclusão cotidiana de uma parcela considerável de brasileiros e a lamentar anualmente as vidas perdidas nas tragédias “naturais”.
Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro é Professor Titular do Instituto de Planejamento Urbano e Regional - IPPUR/UFRJ e Coordenador Nacional do Observatório das Metrópoles. A elaboração artigo contou com a colaboração dos pesquisadores André Salata e Marcelo Gomes Ribeiro.